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Texto interessante sobre os homens e seus carros - por Luis Fernando Verissimo.

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Mensagem por Júnior22 Sáb Jan 29, 2011 10:41 pm

Olá amigos do PB.
Resolvi postar aqui esse texto de Luis Fernando Verissimo sobre carros e comportamento. Saiu numa edição da revista 4 Rodas de 1976, com o nome de ''Entre no carro. Isto é, vista sua fantasia'' e posteriormente em 2005, numa edição comemorativa de 45 anos da revista com o nome de ''O melhor amigo do homem''. Perceberão que carros e expressões usadas são relativas a época da primeira postagem, mas ainda assim é bem divertido.


O MELHOR AMIGO DO HOMEM

Se o automóvel fosse só um meio de transporte ou instrumento de lazer, tudo bem. As pessoas o usariam naturalmente, como usam uma escova de dentes. Mas o automóvel é muito mais do que isso. É um símbolo de status para uns. De riqueza para outros. De coragem, inconformismo, agressão, segurança, ambição, sei lá.
E principalmente de potência
Um homem nunca entra no seu carro, simplesmente. Ele veste o seu carro como quem veste uma fantasia. Da mesma maneira que alguém ''sai'' no Carnaval de tirolês estilizado ou legionário romano (ou libélula transcedental), sai pela rua de Maverick ou Passat ou de 1300 estilizado. Você mesmo conhece vários casos.
Aquele pacato comerciante, tão inconspícuo dentro de sua própria casa que as vezes é posto para fora junto com o gato, e não reclama, se transforma atrás do volante do seu Dodge Dart branco com estrias vermelhas dos lados e uma cabeça de tigre fosforescente sobre o capô. A buzina toca trechos de Richard Wagner e cada vez que ele pisa no freio os olhos da caveira no parabrisa traseiro se acendem. Contam que ele rosna dentro do carro enquanto vai afastando pedrestres e outros veículos do caminho com acordes estridentes de '' Assim falou Zaratrusta''. No posto de gasolina puxa o frentista para si pelas lapelas e comanda, quase mordendo o seu nariz:
- Encha o tanque.
-Azul ou comum?
- Eu faço as perguntas aqui, entendeu? Comum.
- Sim senhor.
- E outra coisa, não encoste no carro senão vou ter que limpar a marca com os fundilhos das suas calças, entendeu? E com você dentro.

Os psicólogos não sabem explicar essa estranha identificação do homem com seu carro. Há uma teoria segundo a qual a potência do carro compensaria a insegurança do homem com seu próprio vigor físico.
Nesse caso o tamanho do automóvel também teria uma ligação inversa com o tamanho do, digamos, instrumental masculino.
- Querido, como você é....pouco desenvilvido.
- É. Mas você devia ver o meu Galaxie!

Seja como for, a verdade é que a sensação de espremer um pequeno acelerador para ter uns cavalos de força a sua disposição a qualquer hora é um dos maiores prazeres que o mundo moderno proporciona ao homem. O homem e a máquina são uma coisa só. O homem é a sua fantasia. O motor do carro é a sua energia. O sistema elétrico são os seus nervos em perfeita sincronização. Os pneus são as suas garras de tigre devorando distâncias sem o menor esforço. A gasolina é o seu sangue (azul ou comum). As prestações a pagar são as suas prestações a pagar.

As vezes essa identificação vai longe demais:
- Doutor, é o meu marido.
- O que há com ele?
- Por que está fazendo esse ruído estranho?
- Ficou assim depois do acidente com o nosso Karmann Ghia. Passa o tempo todo fazendo ruído de motor e gemendo.
- Ah, sei. Ele se machucou muito naquele acidente?
- Ele nem estava no carro, doutor! Fui eu quem bati com o Karmann Ghia. Ele está assim desde que recebeu a notícia. Não fala, ronrona e geme.
- E esse olho esquerdo inchado?
- É que a batida foi no farol esquerdo do carro. Ele não dorme mais. Passa a noite inteira dizendo ''ai, ai '' e apalpando o olho. E o pior não é isso, doutor.
- O que é?
-São as manchas de óleo no lençol.

E há casos mais graves.
- Doutor, é o seguinte, me apaixonei por uma Kombi. Minha mulher ainda não sabe. Quando não estou dentro da Kombi só penso nela. Nas formas dos seus paralamas, no calor do seu estofado, No seu volante roliço em minhas mãos....
- Sim, sim. Mas qual é o problema?
- O problema é que não posso continuar assim muito tempo, doutor. Vou ter que contar a minha mulher. E sei que ela vai dizer: ''Ou a Kombi ou eu''. O que devo fazer, doutor?
- Bem, acho que você deve pesar bem a situação antes de decidir. De que ano é a sua mulher? Quanto ela faz com um litro. E durante o dia, quando os prazeres da noite estão esquecidos, sua mulher também tem capacidade para qualquer tipo de carga? As cadeiras da sua mulher são removíveis?

SÍMBOLO SEXUAL

Sim, porque também existe essa teoria. O automóvel seria um símbolo sexual, mas feminino. Os homens não estariam comprando a garantia de potência instantânea quando compram um carro - estariam comprando uma amante. E os carros vem na mesma variedade que as amantes: As de luxo, discreta, espalhafatosa, sóbria-mas-você-não-acreditaria-do-que-ela-é-capaz-num-passeio-de-fim-de-semana, etc. O carro, ao contrário da mulher, pode ser trocado todos os anos. Gasta o nosso dinheiro, certo? Mas não faz beicinho se a gente esquece um aniversário ou lhe chuta um pneu. E carro não dá palpite.

A mulher encontra o marido passando uma flanela, delicadamente nas ''costas'' do seu Puma.
- De novo?
- Que que tem? Só dando um brilho...
- As 4 da manhã?
- E daí?
- Se você me desse a metade da atenção que dá a esse carro....
- Ora meu bem...que bobagem!
- É mesmo, você faz mais carinho no Puma do que em mim....
- Sua Boba, vem cá!
A mulher vai, toda dengosa. E ele começa a passar a flanela distraidamente em suas costas....e sem tirar os olhos do Puma.

Alguns psicólogos defendem a idéia de que o automóvel representa o útero matreno, dentro do qual os homens se sentem protegidos, senhores do seu mundo. Com a vantagem de ter alguns acessórios que nem os melhores ventres maternos tem, como o rádio. Os táxis seriam úteros de aluguel.
Mas o grande apelo do carro é o machão que vive dentro de cada um de nós, só esperando ligar o motor para aparecer. Potência artificial, amante, útero da mãe, não importa o que seja o carro.
O que importa é que dentro dele, você é mais homem do que qualquer um nesta rua. Confesse. Fora do carro você estará preparado a fazer todas as concessões em nome da cortesia e da boa convivência entre as pessoas. Você é respeitoso, pacífico, solícito - enfim, um pedestre. Entre os pedestres não existe nada parecido com a lamentável conduta dos motoristas. Você nunca ouvirá um pedestre gritar para o outro, que tropeçou:
- Vai aprender a andar, barbeiro!
Um pedestre jamais reclamaria da pedestre que cortou a frente na calçada:
- Mulher pedestre é isso...
Mas ponha um pedestre dentro de um carro e veja o que acontece. A civilização desaparece, a besta está a solta.
Para cada motorista no seu carro o outro motorista é um palerma que detém a sua marcha, um bandido que só está esperando a hora de arranhar seu paralama, um verme sorrateiro que chegou na vaga para estacionar um minuto antes dele. Em suma: o inimigo.

Os motoristas só são solidários no seu ódio comum ao sinal fechado. Brasileiro, como se sabe, não acredita no sinal amarelo e só a muito custo obedece o vermelho. No íntimo de cada motorista do Brasil está a convicção de que parar num sinal vermelho é algo indigno de um homem. Até uma afronta a sua masculinidade. Aquela buzina atrás de você, no momento em que abre o sinal, está dizendo isso: '' Pronto, chega de frescura, vamos tocar''.

E quando, escolhendo o machismo a relutante cautela e tipo não quero nem saber, o brasileiro cruza o sinal vermelho e bate em outro carro é aquele drama. Porque o outro carro pode ser muito bem a tal Kombi com seu amante secreto.
- Olha o que você fez!!! Olha o que você fez!!!
- Perdão, cavalheiro, eu não vi que o sinal estava fechado e....
A ponderação se explica. É que, no instante em que desceu do carro para ajeitar a situação, o motorista causador voltou a ser um pedestre e portanto um homem sentato.
Está pronto a pagar todos os danos e não se fala mais nisso. Mas o dono da Kombi nem ouve, está ajoelhado diante de sua frente toda amassada, dizendo baixinho:
- Dulce, fala comigo Dulce...

Decididamente, é um estranho relacionamento.
Não é por nada que Sigmund Freud sempre se negou a ter automóvel. Preferia uma charrete, que curiosamente, ele chamava de ''mamãe''.



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Mensagem por Sergio Augusto Seg Jan 31, 2011 5:37 pm

Junior22. O Veríssimo é mesmo genial!
Valeu !
Grande Abraço
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Texto interessante sobre os homens e seus carros - por Luis Fernando Verissimo. Empty Re: Texto interessante sobre os homens e seus carros - por Luis Fernando Verissimo.

Mensagem por Volnei S Seg Jan 31, 2011 8:00 pm

Isto que ele nem falou da paixão por buggy. Ia poder escrever um almanaque.
kkkkkkkkkkk
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Mensagem por GTMartini Ter Fev 01, 2011 5:07 am

Com essa frase :
Nesse caso o tamanho do automóvel também teria uma ligação inversa com o tamanho do, digamos, instrumental masculino.
Fico feliz por ter um buggy!!! hauhuahua
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